Será o amor um primeiro amor?!

" É fácil saber se um amor é o primeiro amor ou não. Se admite que possa ser o primeiro, é porque não é, o primeiro amor só pode parecer o último amor. É o único amor, o máximo amor , o irrepetível e incrível e antes morrer que ter outro amor. O primeiro amor ocupa o amor todo. 
Nunca se percebe bem por que razão começa. Mas começa. E acaba sempre mal só porque acaba. Todos os dias parece estar mesmo a começar porque as coisas vão bem, e o coração anda alto. E todos os dias parece que vai acabar porque as coisas vão mal e o coração anda e baixo. 
O primeiro amor dá demasiadas alegrias, mais do que a alma foi concebida para suportar. É por isso que a alegria dói - porque parece que vai acabar de repente. E o primeiro amor dói sempre de mais, sempre muito mais do que aguenta e encaixa o peito humano, porque a todo o momento se sente que acabou de acabar de repente. O primeiro amor não deixa de parte um único bocadinho de nós. Nenhuma inteligência ou atenção se consegue guardar para observá-lo. Fica tudo ocupado. O primeiro amor ocupa tudo. É inobservável. É difícil sequer reflectir sobre ele. O primeiro amor leva tudo e não deixa nada. 
Diz-se que não há amor como o primeiro e é verdade. Há amores maiores, amores melhores, amores mais bem pensados e apaixonantemente vividos. Há amores mais duradouros. Quase todos. Mas não há amor como o primeiro. É o único que estraga coração e que o deixa estragado. 
É como a criança que põe os dedos dentro de uma tomada. É esse o choque, a surpresa " Meu Deus ! Como pode ser ! " do primeiro amor. Os outros amores poderão ser mais úteis, até mais bonitos, mas são como ligar electrodomésticos à corrente. Este amor mói-nos o juízo como a Moulinex mói café. Aquele amor deixa-nos cozidos por dentro e com suores frios por fora, tal e qual um micro-ondas. Mas o " Zing ! " inicial, o tremer perigoso que se nos enfia por baixo das unhas e dá quatro mil voltas ao corpo, naquele micro-segundo de electricidade que nos calhou, só acontece no primeiro amor. 
Electrifica-nos a capacidade de poder amar. Ardem-nos as órbitas dos olhos, do impensável calor de podermos ser amados. Atiramo-nos ao nosso primeiro amor sem pensar onde vamos cair ou de onde saltámos. Saltamos e caímos. 
O primeiro amor está para além das categorias normais da dor e do prazer. Não faz sentido sequer. Não tem nada a ver com a vida. Pertence a um mundo que só tem duas cores - o preto-preto feito de todos os tons pretos do planeta e o branco-branco feito de todas as cores do arco-íris, todas a correr umas para as outras.
Não há regras para gerir o primeiro amor. Se fosse possível ser gerido, ser previsto, ser agendado, ser cuidado, não seria o primeiro. A única regra é : Não pensar, não resistir, não duvidar. Como acontece em todas as tragédias, o primeiro amor sofre-se principalmente por não continuar. 
Mas é por ser insustentável e irrepetível que o primeiro amor não se esquece. Parece impossível porque foi. Não deu nada do que se quis. Não levou a parte nenhuma. O primeiro amor deveria ser o primeiro a esquecer-se, mas toda a gente sabe, durante o primeiro amor ou depois, que é sempre o último. "

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